Thursday, May 27, 2010

Composição mental


Não havia nada mais se não a leveza do vento, se não um café já quase gelado em cima de uma mesa que já nem cor tinha, tão pálida quanto a sua cara.
Os pensamentos lavados em dor, deslizavam na brisa, enquanto esfregava em desespero as mãos consumidas pelo frio daquela noite de Dezembro.
Os lábios e os olhos semi-cerrados, pareciam enfurecer o vento, que se prolongava ao longo da costa, onde o mar enfurecido, arrastava as lágrimas salgadas de milhares de rostos ali caídos.
O papel do jornal que lia já não era igual, pois havia perdido toda a frescura, todo o interesse de se ler minuciosamente cada pequena palavra, ou até mesmo de decorar uma parte abstracta de cada letra.
E ele deixava o vento ir, prolongado na saciedade de viver um momento inculto, de recear a precisão de uma sólida pancadinha de consolo nas costas, deixava o vento arrastar nas suas correntes cada sopro de uma fina e delicada memória, numa perspectiva de querer, numa perspectiva de poder.
O desejo era equivalente a um cubo que roda as suas faces para a noite, para o escuro de uma sombra, onde está incorporada uma tragédia romântica que só acontece nos filmes.
O copo havia-se entornado por entre as finas folhas escritas do seu caderno, onde dizia de tudo, mas não escrevia nada.
Era apenas uma composição mental.


1 comment:

  1. tu escreves super bem; melhor que eu, és precisa e clara. Mas reconheço algumas semelhanças com a minha escrita. E nem sei se isso é um elogio, a minha prof. de português não gosta nada de como eu escrevo, por exemplo. Mas os meus sinceros parabéns

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