Sunday, April 18, 2010

Eu só queria ser feliz.

E lá estava ele, a fumar o seu último cigarro, com uma das pernas apoiadas num tronco de madeira, abandonado no chão, como tantos outros. A paisagem era demasiado monótona, demasiado ténue para o seu olhar inexpressivo. Nada, na sua mais vasta colecção de memórias, era igual ao dia em que um sonho o atirou exactamente para o lugar onde tudo tinha começado. Nada.
Aquela era a sensação que lhe invadia o mais intimo esconderijo do mais imperfeito aconchego no mais inutil coração. Por momentos, esqueceu a pontuação que na maior parte dos dias o levava ao mais alto ponto de loucura, de exaustão perante cinquenta mil frases demasiado incompletas.
Não gostava disso, não gostava de estar perdido no meio de palavras sem ritmo, de sons sem sentido. Detestava também, o facto daquele enorme e escuro vazio que se instalava dentro dele, lhe ir roubando aos poucos os sonhos há muito extintos pela alma mais fechada que já havia encontrado.
Mas era aquele sonho que o magoava mais que tudo, era o querer mas não poder. Será que sabem o quanto dói não poder correr livremente, atrás do mais puro desejo?
Será que sabem como magoa não ser livre?
Mas ser livre é como folhear as páginas de um livro, que dançam ao sabor das ondas do vento, tão livre e suavemente... tanto que até dá gosto só olhar.
Agora via-se sentado no chão, via-se practicamente extinto, imaginava uma borracha apagar a sua face ao ritmo das suas lágrimas, derramadas no chão, naquele chão que agora era a sua mais reconhecida marca.
Sim, ele sentia-se demasiado no fundo.
O cigarro já estava practicamente no fim, mas ele queria fazê-lo durar mais. Era a sua maior tentação agora, era aquilo que mais prazer lhe dava. E aconteceu-lhe logo a ele, que achava que agora, 'prazer' era uma palavra demasiado misteriosa para ele, uma palavra totalmente desconhecida.
Surpreendentemente, não era.
Desapertou a blusa e rasgou-a violentamente, como se estivesse a dizer:
- Chega, deixem-me lutar livremente!
Mas não podia! Ele sabia que não podia! É demasiado complicado entender, e por isso, digo apenas que ele não podia.
Era doloroso, sim, mas talvez um dia ele conseguisse vencer este que era agora, o mais complicado desafio de toda a sua vida.
Chegou o ponto em que sabia que mais valia desistir e que aquele lugar onde tudo tinha acontecido, deveria ser esquecido.
Levantou-se com a maior firmeza de todas, e quando se preparava para dar um passo á frente e continuar o seu caminho, o sonho traiu-o, o sonho empurrou-o, e em vez de caminhar para a frente, deu um passo atrás e caiu no percipicio.
E enquanto caía, quando a sua vida estava a poucos segundos de acabar, sussurrou para si:
- Eu só queria ser feliz.
Depois, uma lágrima caiu.
Depois, tudo acabou.
gS

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